Estou na Nazaré, na praia. Eles caminhavam juntos, à beira do mar. Não foi perto de mim, foi longe. Aliás, estava com o miúdo e não queria que ele visse, eu não queria ver. O mar está lindo, o mar do Norte é lindo, cheio de ondas altas, de ondas enormes. Eles caminhavam e o mar estava a puxar. O mar lindo que os acompanhava no passeio, que lhes molhava os pés, o mar estava a puxar. Eu apanhava conchas com o miúdo e não vi, não queria que o miúdo visse. A onda foi daquelas grandes, lindas, e arrastou-a a ela. Ele quis salvá-la. Dizem. Eu não vi, não queria que o miúdo visse. Num instante chegaram os nadadores-salvadores, atiraram-se ao mar lindo, infernal agora, sem medo, para salvarem os dois. Mas só se via ela. Eram dois os que caminhavam ao lado do mar lindo, ondas altas. Mas só ela se via a boiar. E só ela voltou para terra. Todo o dia o mar o procurou. Continuaram as ondas altas, gigantes, juntou-se um barco, dois barcos, mais nadadores, um helicóptero. Ela já a caminho do hospital, e ele ainda ali, ninguém o via, mas todos apostavam que ali estava, mais ali ao meio, mais ao pé das rochas, de certeza que já estava mais longe. Eu não vi, aliás, não queria que o miúdo visse, mas ele continuava lá, de certeza, de certeza já no fundo do mar lindo, por baixo das ondas gigantes, infernais.
No final do dia, um guarda-sol vazio, umas duas toalhas, um saco com umas tralhas. Ao pé de um mar lindo e à espera de uma caminhada sem fim.
(publicado no meu facebook a 2 de setembro de 2014)