segunda-feira, 27 de julho de 2015

o progresso.

A foto é do início do mês, dia 6. Este senhor esteve 118 horas a voar sem saber se era possível. Foi do Japão para Honolulu, num avião solar, a acreditar que sim. Algum dia, alguém, mais que não seja ele próprio, terá dito que sim. Vai. E ele foi.

Oito mil quilómetros e cinco dias depois, lá estavam as havaianas a dançar hula.

Às vezes é preciso tão pouco para ficarmos felizes.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

o banco do jardim de porto covo.

«Ó vó, empresta aí 27 euros. É uma prancha.»

«Este geladinho sabe mesmo bem. Até os diabetes estão a gostar. Com este calor. Está melhor, esta manhã saiu um nevoeiro do mar, viste ó José, mas saiu mesmo. Olha lá a altura desta rapariga. Porque será que as pessoas agora crescem tanto? É como a cunhada que abalou para o Brasil. Disse que ele tinha mil pares de cuecas. Quem é que diz uma coisa dessas. Está como aquele lá que meteu a bomba e matou aquela gente toda. É assim mesmo: são pessoas que têm um cérebro grande demais. E aquela rapariga que morreu ontem? Ela também já não fazia figuras capazes. Custava a assegurar-se. O mundo tá uma coisa que a gente não compreende. A gente não tá posto a ideia dos outros dentro da nossa. Uma pessoa está sempre a dizer, calha dar um aviso e não serve de nada. É como aquela coisa de a juventude ir às discotecas, aquilo é tudo para se porem a dançar e jogarem pesos e garrafas uns aos outros para abrirem as cabeças. Pois ontem também morreram mais dois. Num acidente de carro. Claro, a andarem para aí de noite, vem o outro e mata-os. A coisa acontece de toda a maneira, pois. É desastres, é doenças, está tudo de uma maneira que uma pessoa que tem alguém nunca está sossegada. Olha aquela mulher que vai ali. Xi, que tamanho. Se uma mulher assim tocasse na gente, a gente não se mexia. É uma coisa desmarcada, uma forçaria que não fazes ideia. E a roupa dela?... Nos novos a gente gosta de ver porque fica tudo bem. Agora aquelas velhas da minha idade que querem vestir saias curtas... Eu agora agarrei-me às calças: tenho medo de embicar e cair e a coisa assim protege. Eh a senhora desculpe. A gente aqui a falar e se calhar incomoda, né? Está aí a escrever, se calhar faz-lhe confusão que a gente estêjamos aqui a falar.»

Deixem. Não, à vontade. Nem estava a ouvir. Estou só aqui a apontar umas coisas... ;)

(Publicado pela primeira vez a 24 de julho de 2011)

segunda-feira, 20 de julho de 2015

a mãe.

Amuar, fazer beiço, resmungar e chutar latas vazias são algumas formas de protesto que, independentemente da idade que tenhamos, podemos utilizar para mostrar que estamos em desacordo. Não gosto e, pimba. Não deixas, cá vai. É assim. E é assim em qualquer idade. Tão irritados estamos que quase partimos as portas. Tão nervosos que gritamos até doer a garganta. Tão mas tão zangados que deitamos tudo ao lixo, lixo, bah, e rasgamos e acabou, fora, acabou.
Para fazer face a estas situações, há pouco melhor do que as mães. Quer dizer: não há nada melhor do que a minha mãe em particular, mas as mães de uma forma geral são a arma perfeita para combater revoltas destas.

Então sai-se e, com sorte, volta-se com meio quilinho de mãe. Tira-se do saco e logo ela olha, ouve e fala, dependendo da marca que comprarmos pode ou não roubar temporariamente o que só ela sabe que nos vamos arrepender de deitar fora, força-nos a descontrair, a chorar, e fica a ver se passa enquanto nos dá um jeitinho à roupa. Diz-nos que vai passar, mesmo quando dizemos que não vai nada. E, estamos nós preocupados a queixar-nos de coisas verdadeiramente importantes quando a mãe – algumas marcas, claro – faz tapioca. Ou Tang de laranja fresco com gelo. Ou migas com broa da terra. E aí as coisas por que reclamamos e por que sempre reclamámos passam de gravíssimas e inquestionáveis a "é assim mesmo" ou "um dia ainda nos vamos rir disto", mas "agora dorme, que precisas de descansar". Nunca nos rimos, mas acabamos sempre lá para ver. Estamos ocupados a resmungar com cara de maus e dizem para nos sentarmos direitos, que aquilo faz mal às costas. E damos por nós e estamos a comer tapioca e em amnésia, sem conseguir elencar a razão dos protestos que nos fizeram ir buscar a mãe.

Parece que na Florida, nos Estados Unidos, houve no sábado uma desgarrada de manifestações de gente zangada. A origem dos descontentamentos foi uma bandeira-símbolo da Guerra Civil norte-americana, um pano com a luta de gentes de tons de pele diferentes estampada, pintada com a guerra das cores, que uns querem fora da Assembleia Legislativa da Carolina do Sul, e outros não. É sempre bom discutir por coisas importantes: uma bandeira que fica ou sai é só um exemplo de coisas onde vale sempre a pena gastar tempo e suor, e quem sabe matar umas quantas pessoas.
Ora, na Carolina do Sol, perdão, do Sul, parece que faz um calor dos diabos e que um tipo de suástica na T-shirt começou sentir-se mal. Vai daí, chega o polícia e, não obstante ser negro, leva o neonazi para fora do calor e fá-lo hidratar-se com água. "Mas, mas, mas...", terá dito o branco. "Depois discutimos isso tudo, agora bebe mas é", ouviu-se o polícia, enquanto estendia a garrafa. "Depois contas-me. Agora bebe."
(foto de Rob Godfrey)

sexta-feira, 17 de julho de 2015

a mosca.

No dia do meu casamento engoli uma mosca. Verdade, não brincaria com coisas sérias. No dia do meu casamento engoli uma mosca porque não parava de sorrir. E, como normalmente sorrio de boca aberta e normalmente a zona de Colares, onde me casei, apesar de bonita também tem animais e moscas, lá calhou de engolir uma.

Durante anos brinquei com o assunto e disse que, como ou entra mosca ou sai asneira, o mais provável era aquilo resultar. E resultou. Sou uma mulher divorciada a dizer que o casamento resultou. E não, não estou a brincar. Esse é um tema demasiado sério para brincar.

O dia do meu casamento foi um dos mais felizes da minha vida. A sério que foi. Também não brincaria com isso depois de o meu casamento acabar. Foi um dia perfeito, com um começo, um meio e um fim perfeitos. Não é por o casamento ter acabado que aquele dia deixou de ser perfeito. Tinha o marido perfeito, no local perfeito, o dia estava lindo, a quinta, florida, linda, a família, os amigos… 

O meu casamento que acabou foi um casamento feliz. E os meus filhos são felizes com o casamento que acabou. E mesmo agora, que eu refiz a minha vida, e ele refez a dele, e ele vive na casa que era nossa e agora é dele e eu vivo na casa que não era minha mas agora já é, continuamos a ser uma família feliz.

Os casamentos podem ser felizes mesmo depois de acabarem. E podem acabar exatamente por isso, para continuarem a ser uma boa recordação, um ponto positivo no nosso passado, para continuarem a fazer bem aos miúdos, para nos fazerem bem a nós.

Devo muito ao homem com quem me casei. E estou contente por o nosso casamento continuar a ser uma coisa boa. É mesmo assim, não estou a brincar. Não brincaria com isso também.

Há miúdos a fazer as vezes de arma de arremesso em divórcios que esquecem o que motivou a união. Há casamentos que fedem conveniência, infelicidade, destruição, distância, e mesmo assim nunca acabam. Há casamentos ótimos que funcionam sempre e fazem sorrir, e alguns até nem precisam de aliança no dedo. E depois há os casos em que, por sorte, se consegue acabar o casamento a tempo de não destruir o que uniu o casal. E isto pode ser controverso, aliás, aceito que todo este texto possa ser controverso, mas vou dizê-lo na mesma: ainda bem que me divorciei a tempo.
O meu casamento acabou para podermos continuar a ser felizes.