sexta-feira, 20 de novembro de 2015

os super-heróis.

Chove a potes, e ela tem um casaco de malha vermelho e três rolos de papel nos braços. Olha para o céu. Caraças, como chove. Não se lhe vêem botas, não se lhe vê guarda-chuva, não tem impermeável sequer. Até onde irá aquela senhora com os rolos de papel, motivos de Natal, em que estado chegará aquele papel às prendas que vai embrulhar. O que leva uma mulher de casaco de malha, num dia em que o céu desaba, a comprar três rolos de papel com estrelinhas, e pais-natais, e neve. Talvez vá esperar aqui no metro, até que a chuva amaine. Não espera, deve estar com pressa. Não esperou.

No cruzamento em frente a Chelas, um senhor de gabardina amarela empoleirado num escadote tira a chave de fendas e mexe no semáforo desligado. Capuz na cabeça, com os óculos a escorrer como pára-brisas fustigados com bátegas, vai compondo. Não vais apanhar um choque, pá? Isso aí não é electricidade? Não seria de te ires abrigar ali na bomba até que a tempestade abrandasse? Não: faz o seu trabalho, continua, concentrado como se nada fosse, sem guarda-chuva, ensopado. Um pinto a compor o semáforo.

No dia nacional do pijama, os miúdos e os graúdos vestem-se a preceito para irem à creche. A diversão de pantufas é garantida, e debaixo de telha até tem piada sentir-se lá fora a chuva, que chove tanto lá fora, e nós aqui dentro quentinhos, a fazer guerra de almofadas e de ursos com as educadoras vestidas para dormir. Tão mal lá fora e nós tão bem aqui dentro, tão quentinhos. E depois há os que saem e vão de pijama à natação, no fundo do
quarteirão. Vão sem guarda-chuva, com as capas plásticas, e sorriem pelo dia do pijama. Sorriem mesmo. E há os que vão de pijama até ao carro dos pais, e não têm galochas que os protejam, que tapem a flanela do fundo das calças, que impeça o fundo das calças de ficar ensopado. Ficam ensopados, e sorriem pelo dia do pijama. Chegam ao carro e chove, ai chove tanto; parece que o guarda-chuva do homem-aranha quer voar, ficam com os óculos salpicados, os cabelos molhados, brrrr, que frio. E, enquanto se lhes põe o cinto, dizem que adoraram e sorriem. Eles sorriem apesar da chuva.

Quando for grande quero ser assim: impermeável.

(Publicado no meu facebook a 20 de novembro de 2014)

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