Havia uma oliveira no fundo do vale que não era dali. Estava na beira da estrada, na beirinha, não incomodava ninguém. Ou incomodava? Levaram-na para o fundo do vale. Ninguém perguntou à oliveira se podia ser. Mas claro que podia.
Claro que pode. Passe-passe.
Foi assim. Queres saber, não queres? A estrada precisou de ser alargada, desculpa mas precisamos de espaço. E então levaram a oliveira, raízes e tudo, e puseram-na ali. Agora os carros já podem passar.
Passe-passe.
Agora já cabes. A oliveira do fundo do vale, que não era dali, estava naquele lugar, na faixa da esquerda, e os homens da carrinha vieram e escavaram. Foram máquinas que os homens trouxeram que escavaram à volta das raízes da oliveira que está no fundo do vale, e que a levaram para ali.
No lugar da oliveira, puseram uma pedra. Assim como três pontinhos, uns agrafos, uma cicatriz, vamos lá tapar o buraco. Puseram uma pedra sobre o buraco à beira da estrada. Um marco sobre a terra revolta onde a oliveira vivia antes de se ter mudado. Havia uma estrada estreita demais e uma oliveira a mais na estrada estreita. E agora há uma pedra desse lado da estrada. E a oliveira, estreitando-se para caber na máquina que a trasladava, já se tinha estreitado para ver se os carros passavam sem terem de a tirar dali. Sabias?
Vejam lá, experimentem só. Vejam lá se dá para eu ficar.
Depois calou-se. Deixem estar. Foi levada, raízes e tudo ao pendurão, foi levada para o meio do vale. Havia homens, mulheres, tantas pessoas a gabar o tamanho das raízes da oliveira a ser levada para o meio do vale. Nem imaginas! Ó vê-me isto. Forte, esta oliveira, tão forte. Havia homens, mulheres, tantas pessoas a dizer que ali no vale é que a oliveira da berma da estrada ficava bem. Tão bem que ficava.
Passe-passe.
Tão pouco tempo para criar raízes, e a oliveira já pertencia ali. A sério; estou-te a contar. Todos diziam, homens, mulheres, tantas pessoas, todos diziam que a oliveira das raízes grandes ao pendurão que estava na berma da estrada, naquele ponto marcado pela pedra, naquele marco, agora, sempre pertencera ali. E a oliveira, do fundo do vale, com raízes enterradas a ganhar terreno e as folhas a procurar sol, conseguia ver a estrada em cuja berma pertencia.
Vê-se daqui. Era ali. Naquele marco. Era longe ainda, mas foi assim. E queres saber? Cada dia que passava ficava mais longe. Ou parecia.
A cicatriz vê-se daqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário