Avolumavam-se nomes e pessoas e desenhos quando abri a caixa. E nem sempre cheguei lá: quem és? Como é que vocês cabem aí dentro… Onde estiveram estes anos todos? Será possível que vos reconheça pela caligrafia? Pelo envelope? Oh meu Deus, é mesmo.
A Diana. A Andrea. A Ana. A Mónica. O Nuno. Eu sei. Parece mentira, foi há tanto tempo! O Luís salta da caixa e manda-me provar a palavra “mar”. Depois ri-se: “Seria interessante tocar com a língua na palavra e sentir o sabor do sal, não achas?”
Acho, claro.
O Bruno começa a falar, a falar, a falar. Não percebo nada do que escreves, pá. Ao lado, o Américo: “Então já ninguém me conhece?” A Rute manda beijos de Coimbra, beijos, que me ama, a Rute diz que me ama. A Lenka dá-me tabaco checo para experimentar, a Laura textos para ler, a Liliana fala da vida, que é mesmo assim, difícil, complicada, e pede-me juízo. Todos têm saudades. Muuuuitas saudades. Nem dei conta. E corações e beijos e assinaturas estranhas a trancar as cartas. Piadas que não percebia. Bocas que não percebia. Letras que não percebia.
Também tenho. Desenhava uma mota ridícula no final da assinatura, e havia quem me perguntasse o que era aquela coisa ali. Olha, estou mesmo aqui. Fico pequena aqui entre vós todos. Pequena e ridícula, como todas as cartas afinal.
Por trás do Bruno está o Pedro. Aparece muito. Sempre a saltar dos envelopes que se desfazem, vem com a máquina de escrever. E faz colagens e desenhos e enumera perguntas a que tenho de responder. Escreve com cores diferentes: “número 1 – namoras?” “Ich li bi dich”, acrescenta no final, sublinhando que “está em alemão”. Será que algum dia respondi a isto?
Mais abaixo, os meus irmãos. Nem sabia que me tinham escrito tanto: especialmente quando deixei de acreditar em Deus. Orgulho, força, coragem. Muitos incentivos à vida para mim, mais pequena e burra, e inocente, e sem saber nada de nada. Eu não dei conta, mas percebo agora. Ouvem isto? Venham cá: percebo agora. O Bruno continua a falar, e fala e fala. Continuo sem te perceber, Bruno. Ainda não sei porque me diriges as palavras que escreves. Mas agora compreendo cada linha. É bonito. Só não sei porque mo escrevias a mim. Um dia dou-to para publicares. Espero que ainda vá a tempo.
Nunca dei conta de nada, até agora, que estou entre vós. Só agora percebo que não percebia nada do que me escreviam. E que me queixava de que estava a crescer sozinha no meio de abraços e beijos e corações e palavras que nem ousava observar. Só agora percebo que não percebia.
Trouxe um caixote cheio de seres pequenos para esta casa. Pessoas deitadas entre palavras e envelopes que revistei para ver se era de me desfazer delas ou não. Mantive todas.
Deixai-vos estar aí, amigos. Ao pé de mim. Sossegaditos.
Obrigada.
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