Não te vou ensinar. Não sabes no que
te estás a meter. E mesmo que quisesse ensinar-te não conseguiria.
Disseste que gostavas de saber fazer
como eu. Mesmo depois de eu explicar que não é uma coisa assim tão boa, que não
a controlo, disseste-me que gostavas de saber fazer como eu. Não te ensino não,
desculpa.
Era pequenina e já a professora de
inglês me dizia que aquilo me traía. Sempre que eu não percebia a matéria, que
discordava, que estranhava, sem perceber como erguia a sobrancelha, assim um V
invertido, assim só uma, um chapéu de chinesinho lipopó sobre o olho direito. E
aí, ela dizia, Não percebeste, pois não?, e lá eu me encolhia. Grande,
encolhia-me.
Farfalhudas, as sobrancelhas foram
perdendo pelos à força da pinça e das modas, mas o meu V foi-se intensificando.
É como as rugas: não pedi para se notarem mais. Agora quero esticar a testa e
isto não vai lá. Esta manhã reparei que estou a ficar com uma ruga das fundas
na cana do nariz. Assim, como o José Mayer, o Osnar da Tieta do Agreste, hoje
descobri esta coisa enrodilhada assim.
Tu também não gostarias de ter este
V. Acredita que te protejo se não to ensinar. E já me protegeste tantas
vezes que isto é o mínimo que posso fazer. O meu V invertido trai-me. Mesmo
quando digo que sim, plena de compreensão, está lá o V a dizer que não, que não
percebi nada.
Lembras-te quando te conheci? Não,
lembras-te quando te encontrei anos depois de te conhecer e de te falar? Fomos
tomar um café, ao Túnel, eu ia para a mesma universidade que tu, queria proteção,
e tu deste-me proteção. Lembras-te?
O mínimo que podia fazer é
explicar-te como se ergue a sobrancelha para te agradecer pela ajuda que me
deste e que me dás. Mas, acredita, não sei como se faz. E mesmo que soubesse não
é uma coisa boa. E só quero coisas boas para ti.
Com a falta de ideias para prendas
de aniversário, podia pensar em dar-te a fórmula mágica, Aqui está a maneira
como se ergue uma sobrancelha só, e ficavas contente, e ficava-me barato. Mas
não, mereces mais. Verdade é que mereces tanto que não sei o que te posso dar.
O meu V invertido sobre o olho
direito tem a discrição de um ponto de interrogação na testa. E mesmo assim disseste
que gostavas de saber fazer como eu.
Há anos muito difíceis. E tu foste sempre lá abaixo buscar-me. E eu agora estou tão diferente! Esta manhã, por exemplo, acordei o mais velho a
saltar para cima da cama. Fiquei em cima dele e, depois, disse-lhe que queria testar a musculatura. Vê lá
se consegues levantar a tua mãe assim. Ele respondeu-me: Sabes, mãe, o corpo
humano é uma alavanca. Se nos faltar um ponto de apoio, não nos conseguimos
levantar.
Obrigada por teres sido o meu.