sábado, 31 de janeiro de 2015

a alavanca.

Não te vou ensinar. Não sabes no que te estás a meter. E mesmo que quisesse ensinar-te não conseguiria.

Disseste que gostavas de saber fazer como eu. Mesmo depois de eu explicar que não é uma coisa assim tão boa, que não a controlo, disseste-me que gostavas de saber fazer como eu. Não te ensino não, desculpa.

Era pequenina e já a professora de inglês me dizia que aquilo me traía. Sempre que eu não percebia a matéria, que discordava, que estranhava, sem perceber como erguia a sobrancelha, assim um V invertido, assim só uma, um chapéu de chinesinho lipopó sobre o olho direito. E aí, ela dizia, Não percebeste, pois não?, e lá eu me encolhia. Grande, encolhia-me.

Farfalhudas, as sobrancelhas foram perdendo pelos à força da pinça e das modas, mas o meu V foi-se intensificando. É como as rugas: não pedi para se notarem mais. Agora quero esticar a testa e isto não vai lá. Esta manhã reparei que estou a ficar com uma ruga das fundas na cana do nariz. Assim, como o José Mayer, o Osnar da Tieta do Agreste, hoje descobri esta coisa enrodilhada assim.

Tu também não gostarias de ter este V. Acredita que te protejo se não to ensinar. E já me protegeste tantas vezes que isto é o mínimo que posso fazer. O meu V invertido trai-me. Mesmo quando digo que sim, plena de compreensão, está lá o V a dizer que não, que não percebi nada.

Lembras-te quando te conheci? Não, lembras-te quando te encontrei anos depois de te conhecer e de te falar? Fomos tomar um café, ao Túnel, eu ia para a mesma universidade que tu, queria proteção, e tu deste-me proteção. Lembras-te?

O mínimo que podia fazer é explicar-te como se ergue a sobrancelha para te agradecer pela ajuda que me deste e que me dás. Mas, acredita, não sei como se faz. E mesmo que soubesse não é uma coisa boa. E só quero coisas boas para ti.

Com a falta de ideias para prendas de aniversário, podia pensar em dar-te a fórmula mágica, Aqui está a maneira como se ergue uma sobrancelha só, e ficavas contente, e ficava-me barato. Mas não, mereces mais. Verdade é que mereces tanto que não sei o que te posso dar.  

O meu V invertido sobre o olho direito tem a discrição de um ponto de interrogação na testa. E mesmo assim disseste que gostavas de saber fazer como eu.

Há anos muito difíceis. E tu foste sempre lá abaixo buscar-me. E eu agora estou tão diferente! Esta manhã, por exemplo, acordei o mais velho a saltar para cima da cama. Fiquei em cima dele e, depois, disse-lhe que queria testar a musculatura. Vê lá se consegues levantar a tua mãe assim. Ele respondeu-me: Sabes, mãe, o corpo humano é uma alavanca. Se nos faltar um ponto de apoio, não nos conseguimos levantar.


Obrigada por teres sido o meu.
Feliz aniversário.

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