Já não pinta há algum tempo. Há qualquer coisa de simbólico nisto de agarrar nos pincéis e voltar a pintar. Também aquilo não é bem uma tela, pode não ficar grande coisa porque não é bem uma tela. Tem de pensar assim: é uma experiência, para o efeito basta.
Tem de experimentar para perceber se consegue fazer algo de bonito. Se consegue conjugar as cores. Tem de ver se o resultado transparece naturalidade, harmonia, tem de voltar a fazer, tem de experimentar. Quão fino ficará aquele risco preto depois de tanto tempo? Há qualquer coisa de simbólico numa mão que treme a fazer um risco preto depois de tanto tempo.
Também aquela não é uma tela nova, é uma tela usada. Todos os dias aquela tela é usada. Nem sempre é limpa antes de ser arrumada, mas precisa de ser lavada antes de se usar. Há qualquer coisa de simbólico nisto de lavar a cara com tiros de água fria antes de se maquilhar. Sim, tantas e tantas vezes ela encosta a fronha, como ela chama à cara quando não gosta dela, à fronha da almofada e no dia seguinte não precisa de ir ao espelho para perceber que arrumou a tela sem a lavar. E tantas e tantas vezes, muitas mais do que seria de esperar, aquela sujidade a acumular-se nos cantos dos olhos. Nos cantos não: no centro, junto da cana do nariz. Ela a pintar e a notar a sujidade que ficou ali guardada, ali mesmo ao meio, na conjuntiva. Tchanã. Ao meio, para todos verem.
Há qualquer coisa de simbólico nisto de se acumular a sujidade nos cantos da tela.
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