quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

pensador.

O pai natal tem uma câmara, para ver se nos portamos bem, se nos portamos mal, se comemos a sopa.

O pai natal vê se subimos as escadas rolantes paradas, ou se damos meia volta para apanharmos as outras que mexem, só para irmos a brincar com o telefone. O pai natal fotografa a estátua rodiniana de chicha e osso encostada a fazer scroll down nas escadas que sobem.

O pai natal tem uma câmara. Sabe que levámos bolachas para o miúdo no parque e acabámos a comer umas quantas. Sabe que adoramos não ter fome. Não tenho apetite, e adoramos, dá uns pontos extra a quem é anafado e tem sempre vontade de comer. Sabe que dissemos que era só um quadradinho de chocolate e fomos ao frigorífico e tirámos dois. Uma tira. Duas. O pai natal aponta que tirámos duas.

O pai natal contabiliza com atenção os minutos em que não desligamos a água do duche, porque está quentinho, a saber tão bem, ensaboar-nos enquanto a água corre. Sabe que tomámos duche mesmo quando na televisão disseram para não. Sabe que reclamámos com a nuvem de vapor de água depois de um banho que durava há horas. Sabe que não, que nenhum banho durou horas. E sabe que não, que não somos donos da companhia das águas.

O pai natal filma, e sabe sempre que nos vestimos sem pôr creme no corpo. Quando calçamos as meias sem limpar entre os dedos dos pés. Quando nos deitamos tortos no sofá. Quando encorcundamos ao computador. Sabe que gostamos de nos sentar com o pé debaixo do rabo para comer os cereais de manhã. O pai natal tem uma câmara. Tem uma televisão em que nos vê. Sabe que temos hérnias nas costas e fotografa a perna cruzada quando estamos a entrevistar alguém.

O pai natal sabe que não vamos com a cara dela e depois lhe sorrimos. O pai natal sabe que voltámos para ele, sabe quando estamos felizes e achamos que nada importa. Sabe quando não estamos bem e mentimos e dizemos que não: triste? Não! Estou só a pensar… O pai natal sabe quando nos fechamos em copas e dizemos que andámos ocupados.

Sabe quando puxamos as orelhas à cama. Sabe quando a deixamos por fazer. Quando não limpamos em cima do armário nem debaixo da estante. Sabe quando saltamos um capítulo chato para chegar mais rápido ao fim do livro. Sabe que depois dizemos que lemos o livro inteiro e não o livro inteiro menos um capítulo. O pai natal tem uma câmara, e um computador, e sabe que estamos sem dinheiro ou que gastámos mais do que a conta em cinco soutiens caros.

O pai natal sabe que cobramos. Ó se sabe. Sabe o que exigimos dos outros. Sabe que nos permitimos ficar inertes quando sentimos falta de mimo. Sabe que achamos que estamos nesse direito. Sabe que tantas vezes o temos. E que outras talvez não. E aponta quando não. Sempre.

O pai natal tem uma lista, duas colunas, sabe o que é certo e errado, visto, qual o melhor caminho, visto, sabe o que fizemos mal, sabe o que fizemos bem, visto, visto. O pai natal tem uma câmara, para ver se nos portamos bem, se nos portamos mal, se comemos a sopa.

O pai natal tem uma câmara para ver se comemos a sopa. Tem mesmo. 
É melhor não arriscar. 

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