Querida rtp,
Fui revisora durante uns tempos. Por deformação profissional, agora, revejo até os guiões dos sonhos. Foram muitos anos, sabes?
Por vezes, odeio-me. Detecto os erros ortográficos e os espacinhos-a-mais nas placas das auto-estradas, fico presa ao “fostes um bom homem” dos elogios fúnebres, ao “há-des ser feliz” das amigas que nos confortam, às legendas dos filmes em que o protagonista relata a emoção de finalmente encontrar o diário da mãe falecida (“não se desfolham os diários, pá.”). Nos livros, quando engancho numa frase mal escrita fico sem perceber páginas inteiras. Já deixei de ler autores supostamente fenomenais por causa disso: incomoda-me; não há nada a fazer, não são nada fenomenais, incomodam-me. Ponto. Fico ali com o balão da BD pendurado com a frase mal escrita até que agito a cabeça (tal-qual uma lata de spray quase vazia a precisar de ser usada para limpar o pó) e lá desengancho da coisa.
Por vezes, é absolutamente desconcertante. Até porque nos meus “panos” (por opção, pode ler-se “livros”, “revistas”, “textos como este”) passa a vida a cair a nódoa, e mesmo assim não tenho emenda. Um exemplo: era revisora havia pouco tempo quando deixei passar, num editorial de uma revista, escrito pelo director, um “Ouve vezes em que o fizemos.”. Quando me apercebi – revista na mão, impressa, já não podia apagar – fui pedir desculpa (é outra das minhas qualidades: em vez de ficar caladinha, vou buscar o megafone para sublinhar a asneira.). Senti-me verdadeiramente incompetente, e, afinal, era só um agá o que faltava. Terei apanhado centenas de gralhas naquela edição, composto dezenas de estruturas de frases, reorganizado os textos, alertado para legendas incompletas. Contudo, não tinha corrigido “ouve” para “houve”, tinha deixado passar um erro crasso, a bold e em destaque, na página dois. E, não contente com isso, tinha ido mostrar: “Desculpe lá, senhor director; bem sei que isto é grave, mas estou aqui a pedir desculpa pela estroinice, se quiser fazer o favor de não me despedir… grata.”
Por alturas da faculdade, engracei com um moço que me escrevia. O coração batia mais forte sempre que regressava à terra. E, quando passava semanas sem ir – por vezes, muitas até –, lá recebia uma carta ou um postal a que respondia logo que conseguia. Uma vez, na volta do correio lá estava aquele remetente de que eu gostava. Sorriso, abri, li. Uma página, não mais: homem de poucas palavras. Mas isso que interessava. Mas isso que importava. Mas isso que… quÊ??! “Até seixta!”?? Tu não podes ter terminado isto com “até seixta”, pá. Não dá para acreditar. Estou a sonhar contigo há três meses. Seixta?!
Seixta.
Seixta.
Se calhar sou só eu, a tipa que dá erros mas descobre os erros dos outros. Sim, se calhar sou só eu, mas tinha mesmo de te dizer isto: HÁ TARDE é um péssimo nome para um programa de televisão. Gera a dúvida e induz centenas (pelo menos centenas) de donas de casa no erro. Mas serei só eu a pensar assim? A sério, serei só eu a achar isso? Eu, a comichosa? A sério, serei só eu?
- “O sol estava a pôr-se na Ilha Verde, e o Gombby dirigia-se para casa para dormi…”
- Olha lá, mas se o Sol estava a pôr-se, como é que está a ficar de noite?
- Filho, nós dizemos que o Sol está a pôr-se em alturas assim como aquelas da praia, em que o Sol desaparece no horizonte.
- Ah.
- “E então ele disse: este embrulho é para o professor, não te importas de lho levar, pois não? Claro que não, levo-lho com tod…”
- Claro que não, levo-lho? Então diz que não, e leva?!
...
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