Adoro o splash das ondas quando passeio de mão dada nestes dias de inverno. O céu limpo, azul, e o sol que nos aquece refletido no espelho de água acompanham-nos no caminhar mas não chegam para aquecer a areia quando nos queremos sentar, deitar, quem sabe dormir, tal como fazemos no verão. Penso que para adormecer ao som do mar na noite mais longa do ano precisaria de lençóis de flanela, três cobertores, um edredão, um vídeo de 1h20 com o som das ondas do Youtube e um vulcão em erupção nas dunas mais próximas. A julgar pelo frio que está lá fora, arriscar um cochilo numa praia a sério significaria um repeat de pesadelos no caso de se conseguir efetivamente dormir. Felizmente, há sonhos que se repetem e que duram mais por estas noites também.
Um dos meus mais frequentes tem ondas mcnamarianas a bater em cinco, dez metros de praia. Não mais. Na maioria das vezes não há areia, que neva sempre e se forma um tapete com os flocos naquele miniareal deserto. E, acreditem, é tão bonito ver nevar sobre o mar.
Está frio, nunca vivi isto com calor. Como é um sonho, podia prestar-se a nevar neve quentinha, assim a trinta e sete, trinta e oito graus. Mas não: está sempre um vento cortante, neva intensa e obliquamente e, apesar de eu odiar vento e de as ondas serem aterrorizadoras, tudo é maravilhoso e não me lembro de ter medo.
Penso que esta aparente contradição está relacionada com as minhas raízes, com a minha saudade. E agrava-se evidentemente com o passar dos anos e a lamechice. Lamecense, adoro frio que corta, gosto da neve que nos enche “ojólhos”, fico fascinada com os flocos que se vêem cair mas nem sempre colam no chão, e adoro as ondas traiçoeiras das praias do Norte onde estávamos sempre caídos quando a escola nos dava três meses de férias.
Agora que estou crescida e que me fixei na Grande Lisboa, especialmente no inverno, dou por mim a agradecer os paraísos que tenho aqui ao pé, nem é preciso ir de avião nem nada, basta uma meia hora de carro. Então nestes dias frios com sol, em que sabe tão bem.
Há o Guincho, claro, e todas as praias de Cascais em diante até à Ericeira. Não digo que não é do melhor que há. Mas existem outros mares, igualmente fascinantes. Falo em mares de gente, em concentrações imensas e em concertos que não vemos em mais parte nenhuma. Falo nas paisagens até ao horizonte, tão diversificadas e tão imponentes, seja da colina da Graça seja do meio da Arrábida. Falo do mar de folhas secas que se acumulam nos jardins do Parque das Nações que dezasseis anos depois continuam a ser os jardins da Expo. Falo em mares de livros de livrarias grandes onde lemos devagar, e depressa nos perdemos. Falo do mar de lágrimas que nos vem num miradouro qualquer e sem razão nenhuma. E no mar de rosas que viemos à cidade grande procurar.
Aí, deixamo-nos ir na onda. E sonhar.
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