Dorme, meu menino, dorme. Dorme e sonha, dorme e sonha. É fofa essa relva onde adormeceste? Quão fofa é uma relva húmida a apoiar um corpo deitado? Vais acordar com marcas de terra e relva na cara, meu anjo. Cara de almofada. Como será ficar com cara de almofada depois de dormir na relva? Quanta chuva vai precisar de cair sobre o teu corpo deitado para te acordar? Talvez pare de chover entretanto, nunca se sabe. Talvez pare. Vai dormindo. Talvez passe.
Quem te adormeceu esqueceu-se da manta. Esse casaco castanho, ou verde, ou bege, ou outra coisa qualquer suja deve ser pouco. Vais ter frio, meu menino. Dorme. É melhor dormires. O álcool aqueceu-te e adormeceu-te, meu anjo, mas vais ter frio. Sabes, o calor da bebida passa ao fim do primeiro desgosto. Depois só resta o frio, e não vale a pena beberes mais. Oi, sabias que não vale a pena beber mais? Não resolve, dói na mesma.
O que doerá mais: a solidão ou a falta da pinga? A pinga. Tantos pingos a escorrerem pela testa, tão orvalhada essa barba na relva. Porque te deixaste dormir aqui? Não estás morto… Não, ele não está morto; podem circular. Adormeceu aqui porque sim. Não é, meu anjo? Quando deste por ela, já não havia unhas para roer, já tudo era surro, sabugo podre, solidão. Tens solidão tatuada nas unhas, meu menino.
Mas dorme. Desculpa estar aqui a falar. Não vejas os carros que abrandam para te ver quando o semáforo fica verde, desmaiado na relva onde caíste. Ignora quem te olha e não sabe quem és. Eu não sei quem és e virei o olhar. É melhor dormires, meu anjo. Dorme. Não vejas o que diz o nosso olhar.
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