segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

idade da inocência.

Os meninos de cinco anos são espertalhões, têm saídas giras, piadas inteligentes, imitam a mãe, o pai, a professora. Eu sou apenas mais uma mulher que não só gosta de escrever, como quer mostrar a meio mundo o quão inteligente, tão engraçado, tão fixe e bem-disposto que o seu miúdo é. Mas todos são assim. Ou quase todos. Quer dizer, além de todos terem pulgas no rabo, os meninos de cinco anos na plena posse das suas faculdades mentais dizem coisas que dão que pensar e misturam a inconsciência de acharem que o dinheiro nasce no multibanco com a consciência de que têm graça, de que já podem vergar os pais com esta ou aquela manha, esta ou aquela birra, de saberem aplicar na perfeição frases dos crescidos como “oh my god”, “ó minha santa padroeira” ou (dedo apontado para a cozinha) “siga para Paris!”.

Uma formação recente da minha empresa terminou com o formador (Vítor Briga) a pedir para escrevermos uma carta a alguém a quem estivéssemos gratos. Enquanto um ajudante distribuía os papéis e os envelopes, ele partilhou com os presentes que todos os dias fazia um esforço por escrever num caderno três coisas pelas quais estava grato. E, mesmo nos dias mais difíceis, quando seria melhor não ter saído da cama, conseguia anotar três coisas boas. Afinal, a menos que sucumbamos ao negativismo absoluto, há sempre algo de positivo na nossa vida, mais que não seja o facto de se estar vivo, de não se estar preso a uma cama como um vegetal, o facto de se ter jantado.

Demorei a expressar a gratidão de ter sido acompanhada e ajudada para gerar um homem inteligente e bom, saudável e independente. Foi preciso partilhar a sala de espera do bloco operatório com uma mãe com um miúdo com atraso de crescimento e uma doença neurológica para dar graças por os problemas de visão dos meus filhos serem só isso, doenças oftalmológicas. Em muitos dias, preciso de ver o pequenito com fralda, a babar, a andar nas pontas dos pés e a mal falar, para perceber a bênção de ter o meu a correr para mim ao fim da tarde. Os pais dos meninos saudáveis, como eu, nem sempre se lembram de que são pessoas com sorte, de que não há falta de visão ou de audição, ou de um braço ou uma perna, não há incapacidade de andar que seja mais grave do que não ter o tino, do que não crescer, do que ser sempre bebé.

Hoje, escrevo sempre que posso as tais três coisas por que estou grata e sei que sou uma mulher com sorte. É de facto um exercício terapêutico que realmente funciona quando o pessimismo, o lamento, se instala.


H E N R I Q U E  A F O N S O  P A I  C A R L O S  M A M A  A L D A  A V Ó  C A T A R I N A

“Ah, estou a ver que neste computador tens muitos ás.”
Ora anda cá ver onde escondo os agás.

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