terça-feira, 30 de dezembro de 2014

o ribeira.

À porta estava o Jorge. Passava-se um corredor espelhado que comia aí uns bons dez passos. Trepavam-se dois andares de degraus de madeira, escadas íngremes, dignas das casas de uma rua antiga como é aquela. Quanto menos tempo tínhamos, mais depressa subíamos e vencíamos os barcos e as cordas e o mar pintados nas paredes. O corrimão macio, de madeira envernizada, podia levar-nos mais acima, mas nem o primeiro andar interessa nem o terceiro faz parte da história, portanto ficamos por aqui: pelo segundo piso.

O dono era o senhor Mário, um homem orgulhoso da ousadia de plantar um espaço daqueles no centro da cidade. Um bar com motivos náuticos por todo o lado, onde muito apetecíveis eram os individuais, aquelas salinhas sem portas com aquários e peixes nas paredes. Um bar com um sofá à altura dos ombros, onde nos sentávamos à espera da nossa vez para jogar às setas. Atrás do balcão, a Sílvia, o Areosa. Sim, sim, calma: eu sei que houve mais gente a estar atrás daquele balcão; o próprio senhor Mário era o que mais lá estava; mas gosto de quem vive aqui no meu DVD; portanto, neste momento, só vejo esses dois. Dentro do barril, o Machado. Idem aspas para o Machado dentro do barril a pôr música no meu DVD.

No corredor que ligava as duas portas das casas de banho, havia desenhos na parede. Era para lá que fugíamos quando queríamos confidenciar as nossas confidências, reclamar as nossas reclamações e chorar os nossos choros.

Íamos ao Ribeira nos furos, à noite, aos fins de semana, aos feriados. Estávamos sempre no Ribeira. Só não dormíamos no Ribeira porque éramos teenagers inconscientes, tínhamos família e essa gente toda que se preocupava connosco, e aquela coisa fechava, além de que os nossos pais já engoliam uns quantos sapos para nos deixar ir para lá, e pelo sim pelo não era melhor não esticar a corda.

Durante anos aquele foi o ponto de encontro, o refúgio, o sítio onde sempre estavam os amigos, onde estávamos todos. Lá divertimo-nos, apaixonámo-nos, zangámo-nos, chorámos (não é lamechice, éramos miúdos, e crescer custa bastante, portanto para que conste, chorei na proporção idêntica à do riso).

A música era Abrunhosa, Pixies,  U2. GNR, This Mortal Coil, Sting. Sétima Legião, James, Smiths. Estávamo-nos a marimbar se ficava num segundo andar feito de madeira com velas nas mesas e cigarros nas mãos. Às vezes, tantas vezes, fecho os olhos e ainda ouço isto: https://www.youtube.com/watch?v=Ew7Zkkucos8.

Sit down.

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