À porta estava o Jorge. Passava-se um corredor espelhado que
comia aí uns bons dez passos. Trepavam-se dois andares de degraus de madeira, escadas
íngremes, dignas das casas de uma rua antiga como é aquela. Quanto menos tempo
tínhamos, mais depressa subíamos e vencíamos os barcos e as cordas e o mar
pintados nas paredes. O corrimão macio, de madeira envernizada, podia levar-nos
mais acima, mas nem o primeiro andar interessa nem o terceiro faz parte da
história, portanto ficamos por aqui: pelo segundo piso.
O dono era o senhor Mário, um homem orgulhoso da ousadia de
plantar um espaço daqueles no centro da cidade. Um bar com motivos náuticos por
todo o lado, onde muito apetecíveis eram os individuais, aquelas salinhas sem
portas com aquários e peixes nas paredes. Um bar com um sofá à altura dos
ombros, onde nos sentávamos à espera da nossa vez para jogar às setas. Atrás do
balcão, a Sílvia, o Areosa. Sim, sim, calma: eu sei que houve mais gente a
estar atrás daquele balcão; o próprio senhor Mário era o que mais lá estava;
mas gosto de quem vive aqui no meu DVD; portanto, neste momento, só vejo esses
dois. Dentro do barril, o Machado. Idem aspas para o Machado dentro do barril a
pôr música no meu DVD.
No corredor que ligava as duas portas das casas de banho, havia
desenhos na parede. Era para lá que fugíamos quando queríamos confidenciar as
nossas confidências, reclamar as nossas reclamações e chorar os nossos choros.
Íamos ao Ribeira nos furos, à noite, aos fins de semana, aos
feriados. Estávamos sempre no Ribeira. Só não dormíamos no Ribeira porque éramos
teenagers inconscientes, tínhamos família e essa gente toda que se preocupava
connosco, e aquela coisa fechava, além de que os nossos pais já engoliam uns
quantos sapos para nos deixar ir para lá, e pelo sim pelo não era melhor não
esticar a corda.
Durante anos aquele foi o ponto de encontro, o refúgio, o
sítio onde sempre estavam os amigos, onde estávamos todos. Lá divertimo-nos,
apaixonámo-nos, zangámo-nos, chorámos (não é lamechice, éramos miúdos, e
crescer custa bastante, portanto para que conste, chorei na proporção idêntica
à do riso).
A música era Abrunhosa, Pixies, U2. GNR, This Mortal Coil, Sting. Sétima Legião, James, Smiths. Estávamo-nos
a marimbar se ficava num segundo andar feito de madeira com velas nas mesas e
cigarros nas mãos. Às vezes, tantas vezes, fecho os olhos e ainda ouço isto: https://www.youtube.com/watch?v=Ew7Zkkucos8.
Sit down.
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